EM QUEM ME TRANSFORMEI? DIVAGANDO SOBRE O FILME "A VIDA DE OUTRA MULHER".
Nada como um filme interessante e
uma companhia agradável ao nosso lado, não é mesmo?
Recentemente, fui ao cinema para
assistir ao filme 360, mas os ingressos estavam esgotados e acabei vendo A VIDA
DE OUTRA MULHER (LA VIE D’UNE AUTRE). Gosto de pensar que o “invisível”, muitas
vezes, nos leva para onde precisamos estar ainda que a gente não perceba.
O filme é uma produção francesa.
Juliette Binoche – com a beleza e o talento de sempre – dá vida à protagonista
Marie.
No início da história, Marie é
uma jovem que mora em uma cidade pequena, onde ajuda a mãe (Danièle Lebrun) a
cuidar do pai enfermo e inválido.
Aos 25 anos, conhece Paul
(Mathieu Kassovitz), o grande amor de sua vida e consegue um emprego fabuloso,
em Paris, como investidora.
De repente, Marie acorda com 41
anos sem saber quem é e onde está. Ela se assusta com a mulher que vê no
espelho e com um menino na cozinha que a chama de mãe. Não se lembra de nada do
que aconteceu na última década e meia. Desconhece Barack Obama e fica perplexa
ao saber da morte de Michael Jackson. E, no decorrer da trama, vai ter que
lidar com outras surpresas desagradáveis. Descobre que o pai morreu; que a mãe
o abandonou doente para se casar com outro; que as duas não se falam mais e
estão brigando na justiça. Também toma conhecimento de que é uma profissional
rica e respeitada, mas que sua vida pessoal é um fracasso. Não tem amigas, vive
um casamento em frangalhos e está se divorciando.
Clinicamente, apesar dos traumas
vivenciados, a amnésia repentina da protagonista não me parece viável. Serve
mais como uma metáfora que leva a várias interpretações possíveis. A minha
leitura da trama é apenas uma delas. Mas será que não existe uma mais correta?
Pouco importa. Vivemos em uma sociedade que busca soluções milagrosas, rápidas
e prontas. Fico bastante feliz quando encontro situações que permitem o
exercício da reflexão e onde as perguntas são mais importantes do que as
respostas – afinal de contas – são elas que nos movem.
A gente cresce ouvindo que o
tempo não corre; ele VOA. Pois é. Em um belo dia, temos 20 e poucos anos e,
quando acordamos e nos damos conta, já temos 40 ou mais! E, muitas vezes, nesta
viagem através do tempo, a bagagem é extraviada e o passageiro que subiu no voo
não é o mesmo que desembarca.
É doloroso, mas não raro, chegar
à idade adulta e perceber que a vida tomou um rumo indesejado. Pelo caminho,
gradativamente, foram sendo abandonados os sonhos, os desejos, os valores, os
ideais, as crenças, as esperanças e a vontade de mudar e construir um mundo melhor.
Também se foi o corpo de outrora. E o que sobra é uma pessoa que mal
reconhecemos. Quem é esse estranho em que me transformei? Onde foi parar aquele
que me era tão familiar? O que fazer?
E, para piorar a situação, é
comum encontrarmos outro ser esquisito, além de nós mesmos: o cônjuge. A rotina
e as vicissitudes do casamento – muitas vezes – transformam os parceiros em
grandes desconhecidos. Há casais que mal se falam, não se tocam e ignoram a
cumplicidade do sexo. Vivem isolados cada qual em seu mundinho particular. É
muito fácil se perder de quem se ama e culpar esta pessoa por não fazermos
aquilo que queremos e que – no fundo – não fazemos por medo ou por alguma
inabilidade qualquer.
Mais do que tudo, em minha opinião, o filme fala
sobre a necessidade e a coragem de encontrar um caminho que nos leve a
redescobrir quem somos e que permita reconstruir relações perdidas que ainda
valem a pena. “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os deuses”.