segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Amor Paterno

O Dia Dos Pais já passou, mas sempre é tempo para falarmos sobre o amor paterno. A crônica "Ser Pai", escrita por Ruy Fernando Barboza, é deliciosa de se ler.

  
Com quem se aprende a paternidade? Pai pode ser amigo? Criar menina é diferente de criar menino?

"Desde criança eu queria ser pai. Admirava famílias grandes, casas cheias de quartos com beliches, um monte de gente falando na hora do jantar. Olhava para cada menina como uma potencial mãe dos meus filhos. Depois descobri o sexo, e nada podia ser melhor do que isso. Era tão bom que eu nem pensava que todo aquele prazer era exatamente o que fazia com que homens e mulheres se tornassem pais e mães. Até que minha namorada ficou grávida. E a relação entre um e outro desejo se estabeleceu com uma clareza contundente! Grana pouca, 23 anos eu, e ela 22. Em nenhum momento duvidamos de que a notícia era maravilhosa e casamos, praticamente sem pensar, em abril de 1967. No dia do casamento, três meses de gravidez, o vestido dela, na altura dos seios, apresentava manchinhas de leite. Foi para mim um bom sinal. Certamente teríamos uma família grande, feliz e bem alimentada. Paramos em dois casais de filhos (por ordem cronológica Juliana, Saulo, André e Carolina, respectivamente atriz, psicólogo, advogado e psicóloga).

Nunca nos sentimos preparados para a paternidade ou para a vida (ainda não me sinto e, apesar de carreiras bem-sucedidas no jornalismo, no direito e na psicologia, às vezes penso que minha verdadeira vocação seria cantar guarânias em bares boêmios). Entre culpas, medos e alegrias (com predomínio absoluto das alegrias), porém, acho que me saí razoavelmente bem. No fundo, ninguém ensina ninguém a ser pai. Vamos aprendendo aos poucos, com a experiência. E imitamos, mesmo sem querer, a referência de pai que tivemos. Olhando pra trás, vejo quanto imitei o meu, de quem de cara herdei o nome, Ruy, e de quem recebi um afeto sem limites. De escola, meu pai só teve o primeiro ano primário. Paulista de Jaú, filho de colono de fazenda, foi lavrador, cozinheiro, mecânico, motorista, marceneiro e lenhador.

Cresceu serrando troncos, produzindo dormentes para a construção da ferrovia Araraquarense. À noite, à luz de velas, aprendia solitariamente em quartos de pensão lendo livros de matemática, português (seu velho Dicionário de Cândido de Figueiredo até hoje está comigo) e inglês (O Inglês Tal Qual Se Fala no Presente, Sem Auxílio de Professor, que também herdei). Aprendeu tudo sobre café, tornou-se provador e classificador e, final da década de 40, casado e com três filhos, gerente de empresas exportadoras no norte do Paraná. Conheci as mãos de meu pai já macias. Depois do jantar, eu colava o ouvido ao violão para ouvi-lo dedilhar velhas valsas e sambas. Não havia mais calos na mão que tocava meu peito enquanto ele me contava histórias e me cobria nas noites de frio. Meu pai se foi há 15 anos, mas ainda sinto sua mão. É ela que me conforta nos momentos de desamparo.

A percepção desse afeto é que me deu força para, aos 17 anos, quando entrei na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, vir morar sozinho em São Paulo, onde não conhecia ninguém. Quando me tornei pai, aos 24 anos, tudo o que queria, e ainda quero, era poder tocar meus filhos com aquela mesma mão. Garanto: se você quer ser um bom pai ou uma boa mãe e ter filhos felizes, só precisa tocá-los dessa forma. O resto é detalhe.

Acho engraçado dizerem que pai não pode ser amigo. Pode, sim. Meu pai foi, e eu sempre quis ser amigo dos meus filhos. Amigo de verdade não é o que é conivente com erros e deixa o outro fazer bobagem. Amigo briga, até rompe a amizade quando vê aquele que ama estragando a própria vida. Um dia esse amigo volta e agradece. Pai tem de ser amigo assim.

Muitas vezes me perguntei se gostava mais de um filho que de outro. Pergunta que todo mundo faz aos pais. Não vejo diferença entre os meus amores por eles. Vejo, sim, que em cada tempo posso ficar mais próximo de um. Ou porque me identifico mais com o que ele está vivendo ou porque acho que naquele momento precisa mais de mim - ou eu dele.

E sempre confiei nos meus filhos. Nunca considerei saudável o comportamento do pai que vigia e investiga. Isso não é cuidar. Cuidar é dar opinião, é defender, é manter-se solidário, pronto para ajudar, mas respeitando a autonomia do outro.

Culpa, só sinto pelos momentos em que fui pouco atento ou interferi indevidamente na vida deles. Momentos em que não percebi ou não valorizei o sofrimento por que passavam. Momentos em que perdi a cabeça e descarreguei neles raivas que trazia de outras pessoas. Mas também aprendi que, se esses erros não são o nosso padrão de comportamento, não têm conseqüências a longo prazo. Diluem-se em meio às situações em que predominaram a compreensão e o afeto.

Menino, reconheço, dá muito mais trabalho que menina. Menino briga em festa, bebe de cair, experimenta droga, picha muros, anda de moto, faz besteira, faz bagunça, vai preso. Deixa você bravo, preocupado, com a pulga atrás da orelha. Menina tem juízo. Nunca perguntei a nenhuma das meninas onde iam, com quem iam, a que horas voltariam. Sempre soube que elas tinham mais juízo que eu, que sou menino. Aos meus meninos eu também não perguntava, mas com eles o resultado nem sempre foi bom. Devia ter perguntado. Errei.

Nosso maior sofrimento, no entanto, foi quando, depois de 21 anos, eu e minha mulher nos separamos. Não avaliei quanto seria difícil. E não havia nada a fazer. Foi quando descobri que sempre há algo a fazer, sim. No caso, era chorar. Não esconder o que eu sentia nem julgar a raiva ou a tristeza de cada um deles. Sofrer e chorar juntos pelo caminho que a vida tomava. Dessa crise, acredito, saímos todos fortalecidos. Em diferentes momentos, morei sozinho, morei com os quatro, com dois, com uma das meninas e, finalmente, moro sozinho de novo. Divido meu tempo entre Florianópolis e São Paulo, aproveitando o que há de melhor nas duas cidades. Em Floripa, o que há de melhor é minha namorada, apesar da linda paisagem da ilha. Em São Paulo, o que há de melhor é meu neto, Eduardo, apesar do amor por meus filhos e da minha ligação com a cidade.

Eduardo, meu primeiro neto, completa 1 ano no mês que vem. Ainda tenho comigo a grandiosa sensação do dia em que ele nasceu e dirigi 700 quilômetros para vê-lo. Se ser pai nos traz a ilusão de sermos pequenos deuses, pelo milagre que é ver surgir de nós uma vida, ser avô faz de nós divindades maiores, pois nos traz a sensação de que geramos nada menos do que um deus! Para encerrar, um alerta: quando você ouvir um avô dizendo que seu neto é a coisa mais linda do mundo, não acredite. Ele está sendo parcial, pouco objetivo, influenciado por essa falsa idéia de que produziu milagres. Nenhum outro avô pode ter originado a coisa mais linda do mundo, pois a verdadeira coisa mais linda do mundo é o meu neto, o Eduardo".

(Obs: Esta crônica foi publicada na revista Cláudia em agosto de 2007).













domingo, 7 de agosto de 2011

Mudar É Preciso



Segue abaixo mais um belíssimo texto escrito por Lya Luft. Esta escritora brasileira sempre tem muito a dizer e a ensinar através de sua inteligência e sensibilidade. Vale a pena conferir.

A Idade e a Mudança (Lya Luft)

"Mês passado participei de um evento sobre as mulheres no mundo contemporâneo.

Era um bate-papo com uma platéia composta de umas 250 mulheres de todas as raças, credos e idades.

E por falar em idade, lá pelas tantas, fui questionada sobre a minha e, como não me envergonho dela, respondi.

Foi um momento inesquecível... A platéia inteira fez um 'oooohh' de descrédito.

Aí fiquei pensando: 'pô, estou neste auditório há quase uma hora exibindo minha inteligência, e a única coisa que provocou uma reação calorosa da mulherada foi o fato de eu não aparentar a idade que tenho?

Onde é que nós estamos?

Onde, não sei, mas estamos correndo atrás de algo caquético chamado 'juventude eterna'.

Estão todos em busca da reversão do tempo.

Acho ótimo, porque decrepitude também não é meu sonho de consumo, mas cirurgias estéticas não dão conta desse assunto sozinhas.

Há um outro truque que faz com que continuemos a ser chamadas de senhoritas, mesmo em idade avançada.

A fonte da juventude chama-se 'mudança'.

De fato, quem é escravo da repetição está condenado a virar cadáver antes da hora.

A única maneira de ser idoso sem envelhecer é não se opor a novos comportamentos, é ter disposição para guinadas.

Eu pretendo morrer jovem aos 120 anos.

Mudança, o que vem a ser tal coisa?

Minha mãe recentemente mudou do apartamento enorme em que morou a vida toda para um bem menorzinho.

Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras, que havia guardado e, mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu.

Uma amiga casada há 38 anos cansou das galinhagens do marido e o mandou passear, sem temer ficar sozinha aos 65 anos.

Rejuvenesceu.

Uma outra cansou da pauleira urbana e trocou um baita emprego por um não tão bom, só que em Florianópolis, onde ela vai à praia sempre que tem sol.

Rejuvenesceu.

Toda mudança cobra um alto preço emocional.

Antes de se tomar uma decisão difícil, e durante a tomada, chora-se muito, os questionamentos são inúmeros, a vida se desestabiliza.

Mas então chega o depois, a coisa feita, e aí a recompensa fica escancarada na face.

Mudanças fazem milagres por nossos olhos, e é no olhar que se percebe a tal juventude eterna.

Um olhar opaco pode ser puxado e repuxado por um cirurgião a ponto de as rugas sumirem, só que continuará opaco porque não existe plástica que resgate seu brilho.

Quem dá brilho ao olhar é a vida que a gente optou por levar.

Olhe-se no espelho..."